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Tour TV – Episódio 10: São Caetano

Tour TV – Episódio 9: Ribeirão Preto

Tour TV – Episódio 8: Bauru

Bauru

Mais uma parada estratégica

Uou. Devo dizer que não é só para as bandas que a tour é um laboratório. A começar pela  decomposição do que chamamos de semana. Eu sempre tive a pira da cara que um determinado dia da semana tem, que marca o clima desse dia mesmo quando você não está atento a isso.
Por exemplo, por mais que você esteja trabalhando como se fosse uma quarta-feira, como esquecer que é domingo a noite, como não sentir aquele ar meio pastoso de fim-de-semana terminando? Bem, talvez eu tenha me acostumado a ler estes sinais no ambiente paulistano – lá quando você esquece que dia é, o estado do trânsito, congestionado ou tranquilo demais, o movimento nas calçadas, a gritaria por causa do jogo na tv ou qualquer outra coisa te lembram rapidamente.

Enfim, a questão é que como poucas vezes se fez irrelevante o fato de ser segunda ou sábado. Prevalece em qualquer dia o ciclo apontado por Jack, o Percussionista Louco: passar o som, tocar, carregar a van, dormir, acordar, almoçar, viajar, passar o som. Uou, to ficando zonzo.

Bem, chegamos em Bauru. Olhando na agenda da tour, esse dado geográfico me faz lembrar que é quinta-feira. Clima nublado, que anuncia a tempestade que cairia pela noite. Chegamos na Central, república famosa em Bauru. Nas paredes da sala, uma exposição de assinaturas e frases espirituosas de moradores e visitantes, alguns deles do Circuito Fora do Eixo, como Nevilton.

No primeiro andar um banheiro interditado, apelidado de Barra Funda em homenagem aos sanitários públicos da estação rodoviária de São Paulo. Uma casa grande, muito bacana, bem no centro da cidade. No quintal, os tradicionais troféis: cavaletes de trânsito, um orelhão. No andar superior, 3 quartos e uma biblioteca circulante de Playboys que, segundo a Isis, curiosamente voltam sozinhas para a pilha na pia do banheiro. Dentro dos quartos, montes de malabares.

Pouco depois que chegamos, os malabaristas que trabalhavam em um semáforo pelo qual passamos chegam na casa. São os colegas de república da sede do Enxame Coletivo. Cobrindo toda essa história, uma gigantesca trepadeira elefante, a argyreia nervosa. A planta parece mesmo querer encobrir totalmente a casa. Os moradores relataram a impressão de que quando isso acontecer, a planta irá puxar a casa para debaixo da terra, algo como no filme A Coisa.

Pela primeira vez nossa chegada parece não ter alterado a dinâmica de algum lugar. Rodas de conversa em diversos cômodos da casa, dois caras no corredor se arrebentando na mais nova versão do Street Fighter, quilos de sanduíche na cozinha..

Algumas horas depois nos dirigimos ao Madame Pimenta, o espaço de shows do dia – debaixo de bastante água, frise-se. O Madame Pimenta é um espaço bom, com pista e bar grandes, mas que não costuma receber eventos de rock, muito menos rock independente. Concorrendo  com um show do Jorge Ben no Sesc de Bauru na mesma noite, foi um sucesso receber um público razoável, que não chegou a lotar a casa mas mostrou disposição – principalmente as meninas da linha de frente.

Para além das garotas dançando, o destaque dessa noite ficou para o cruzamento entre as bandas – uhu!

Começamos com a participação de Hardi dos Aeromoças e seu sax, adoçando a aspereza dos Baggios.

Na seqüência, a participação do amigo Vinícius Nardi, da banda Almight Devildogs, de Bauru, na música Sex Suggestion (Motel Version) dos Aeromoças. As duas bandas já tocaram juntas. Foi quando Nard ajudou a escolher o nome da música. Esta foi realmente especial:

A apresentação dos Aeromoças e Tenistas Russas, na música Insomne, foi invadida também pelo incrível Jack, que advertiu: “Cuidado que são bruxos!”

Segura essa:

E para fechar, Julio dos Baggios e Hardi e seu sax entraram na bagunça da Sunday, dos Porcas Borboletas.

Festa boa, pra ninguém botar defeito.

Cássio Abreu, fotógrafo de alto calibre, compareceu, e produziu um ensaio imperdível. Para conferir, clique aqui.

É claro que Bauru, a cidade sem limites, não poderia deixar por menos. Depois dos shows, a noite continuou até virar dia na Central. Muita gente e uma roda de violão na sala. Tomei lições básicas de digiridu – sim, consegui fazer algum som, ou pelo menos pensei na hora que consegui. Depois começamos a fazer versões em samba de Iron Maiden – Bring Your Daughter to the Slaughter ficou ótima – e por ai a coisa foi. Às oito da manhã alguns sobreviventes foram comer bolovo no boteco da esquina.

Valeu, Enxame!

Tour TV – Episódio 7: Campinas

Campinas

A abstinência começa a bater dentro da van. Sabe quando tem uma galera com fome e o papo acaba voltando pro assunto “rango”o tempo todo? Então… Acabo de ouvir uma descrição detalhada de uma garota surfista que acendeu o coração do Danislau: a suavidade, o som da prancha deslisando sobre a água em um fim de tarde… Os passageiros da van rapidamente elencaram os fatores que fazem com que toda mulher surfando seja gostosa pra caralho: a menina remando de bruços, o bumbum molhado de mar…

Porém, como apontou Danislau a questão é que nós – repito: 15 marmanjos que somos – deterioramos qualquer lugar em que chegamos. Estragamos o equilíbrio homem/mulher de qualquer espaço, ou seja, somos o nosso próprio boicote. O jeito que encontramos por enquanto é apelar para a “representação”: alguém que tenha sucesso na noite deixa todos felizes. Considerar os números absolutos seria crueldade.

Bem, chegamos ao distrito de Barão Geraldo em Campinas. Mais um território universitário, aqui habitado pelos alunos da UNICAMP, que dão uma renovada nos ares da cidade. Foi na frente da moradia   universitária, em um trailer, que começou o bar do Zé. Quando a calçada ficou pequena, o bar foi tranferido para uma casa. Contrariando vizinhos, os caras continuaram cultivando o público que gostava de música underground. Eu me lembro de ter passado por lá uma vez há cerca de dez anos e ter ficado impressionado com o boteco sujo que misturava rock do leste europeu com techno.

Hoje em dia os caras estão ai com uma casa foda, toda decorada com pop arte, com isolamento acústico ok e cartazes que anunciam a passagem de Copacabana Club e Agent Orange por lá. Foi muito foda a oportunidade de conversar com o Diego México, produtor da casa que trabalha lá desde a época do trailer, que contou toda essa história. A visão dele de música independente e a história que eles já tem pra contar são respeitáveis.

Crédito para articulação feita pelo Coletivo Ajuntaê. O pessoal está iniciando seus trabalhos com força total e promete. O perfil deles é muito bacana, e Campinas demanda muito o trabalho deles como agentes da cultura independente.

Quando chegamos na casa tivemos a chance de aproveitar a pechincha da promoção de happy hour: chop Heineken bem tirado por dois reais e cinqüenta. Se eu morasse em campinas não perderia. Mas vamos lá, a noite começa e The Baggios mostram mais uma vez seu som áspero.

O efeito no público resgata o mais primordial significado de “rock and rol”: numa tradução livre, quebrar tudo de uma maneira que denote sex appeal. Na década de 50 várias músicas já mencionavam o termo, mas foi só então que o radialista Alan Freed empregou-o para denominar um estilo. Ironicamente Freed enfrentou um escândalo por aceitar propina por favorecer certas músicas na programação. Ou seja, o mesmo cara que cunhou o rótulo rock’n’roll também inventou o jabá.

As quartas-feiras geralmente não possuem programação nO Bar do Zé, e por isso desde o momento em que os Baggios subiram ao palco o público começou a surpreender. Bastante gente, e gente empolgada. Estavam interessados mesmo era no som ao vivo, e a cada intervalo entre as bandas desapareciam da pista para o bar.

Durante o show do Porcas o show do público teve seu ápice: uma galera gritando as letras, exigindo que certas músicas fossem tocadas! Vale aqui destacar a função de formação de público que tem uma turnê. Apesar de ter ocorrido diversas vezes comigo de tentar sacar o barato do som de alguém e não conseguir até assistir ao vivo, só tive o estalo desta vez depois do que rolou nessa noite.

Vivemos na era da difusão da comunicação, na qual os mais céticos dizem que vai faltar público para a maioria dos projetos porque a maioria das pessoas não quer ser público, ou melhor, não quer ceder, mas só ganhar atenção – é a teoria da calda longa. Uma estratégia acertada para nossa época então é partir para o tête-à-tiete, usar o calor do palco para vencer a superficialidade com que tomamos contato com as coisas no nosso mundo poluído. É o que muito bem estão fazendo os Aeromoças e Tenistas Russas, que não economizam boa música em cada palco dessa tour. Seguraram até bem tarde, como terceira banda da noite de uma quarta. Força, galera!

Tour TV – Episódio 6: Palquinho Maluco em São Carlos

São Carlos – dia 2

Segundo dia tumultuando a sede do Massa Coletiva: malas, colchões e toalhas secando por todos os lados. Mais um almoço no self-service dos amigos, com preço fechado de R$  9,20 por pessoa, incluindo sobremesa e suco. Mais um pouco e São Carlos corria o perigo de ganhar moradores bizarros, que já estavam se acostumando com a vida por ali.

Ao lado do Fora do Eixo Minas, o Massa Coletiva foi quem articulou a organização da turnê entre os coletivos de cada cidade. O intuito foi experimentar as rotas que ligam Minas a São Paulo, importantes para a circulação de bandas entre o Centro-Oeste, o Sudeste e o Sul. Além disso, a localização de São Carlos, bem no meio do estado, faz a sede do Massa ser o QG perfeito. Foi bom ficar esticar um segundo dia por lá.

Festa aberta, dentro do campus da UFSCAR, com cerveja a dois reais e o povo do Massa no bar, com direito a projeção do pessoal do CA da Imagem e Som sobre uma parede cheia de grafites. Do outro lado um bambuzal e no meio o Palquinho Maluco da Federal. Era isso que esperava a tour no segundo dia de São Carlos.

Durante a tarde, chegaram na rodoviária The Baggios, a dupla de Aracaju que segura sozinha um show de rock e blues e ainda canta em português. Julio e Gabriel chegaram calados para dar um tempo na sede do Massa. Dali um pouco Julio já tinha o violão da sala no colo e transformava o ambiente em um quadrinho do Robert Crumb. Jack, o Percussionista Louco, dava aulas de conga e entoava sua canção-manifesto, que prega que o samba nasceu em um navio negreiro.

Bora pra festa. No bar o mais difícil era negar-se a vender três cervejas por cinco reais. Fazer o baú esvaziar era fácil. A banquinha, com discos, camisetas e adesivos estava cenicamente previlegiada, com a projeção de pano de fundo e ao lado do equipamento do Dj Jovem.

Daquela réplica do painel da Interprise irradiavam os sons da Discotecagem Radiofônica Independência ou Marte, e o público tentava decidir se caía na batida ou fazia charme até um pouco mais tarde.

Os baggios começaram sua quebradeira com esse público pequeno mas que rapidamente quebrou sua reticência. Cara, você gosta de carpacio? Os Baggios são a carne crua do rock. Proto-rock, meio blues, sem baixo, cantado em português rasgado.

Mesmo em uma terça-feira, era já mais de meia-noite e o público não parava de aumentar em número e intensidade. Muita gente de cara com a solidez do som que brotava de só duas pessoas sobre o palco, outros apenas uivando ao fim de cada música.

Mais uma vez a batida brasuca do Independência ou Marte e então o Porcas no palco. Meu deus, que palco bonito, cara! O número de universitários enchendo a cara de cerveja não parava de aumentar, e agora todo mundo se divertindo muito com o som do Porcas. Naty, uma gatinha das Ciências Sociais, frisava que era de Uberaba e que já tinha visto a banda muitas vezes. É uma daquelas que dançam marcando território na frente do palco. E o Porcas seguia o show. Nas fotos o bambuzal se confundia com os dreads do baixista Tchelo. Jack, o Percussionista Louco, resolveu percutir nos bambus.  Sonzasso!

Mais um pouco de Independência ou Marte e todo mundo já estava em Marte mesmo e… Pronto! Chegou a vez dos Aeromoças e Tenistas Russas jogarem em casa. Cara, que palco lindo! O som mais instrumental e pirado dos caras nasceu ali naquela faculdade e tem tudo a ver mesmo com os grafites, as projeções, o palquinho, o público. Desde Franca que o monstruoso Jack estava dando uma canja com os aeromoças na Insonne. Nessa noite intensa, a canja acabou virando uma jam que passeou por vários estilos. Hardi soprava o sax. O Gu viu a guitarra ali sozinha e não pensou duas vezes. Talvez inconscientemente mal-intencionado, subi no palco para tentar captar aquele quebradeira com umas fotos e dei de cara com o set de percussão vazio. Jack passou do meu lado indo espancar sua lata de tinta vazia no meio do público, e eu não resisti: perguntei se podia batucar também. No meio do seu transe ele me mandou tocar logo e eu fui em frente. U-hu! Momento único, nunca participei de uma sonzeira daquela.

Dj Jovem ficou lá aplicando doses de funk carioca, rap-pancadão e outros venenos na galera que já estava do jeito que o diabo gosta, e nós passamos um tempo tentando ir embora. Carregar a vã, dormir, acordar, almoçar, viajar…

Tour TV – Episódio 5: Independência ou Marte

São Carlos – dia 1

“Passar som, tocar, carregar a van, dormir, acordar, comer, viajar, passar o som, tocar…” O loop em que vivemos ultimamente foi identificado por Jack, o Percussionista Louco. Depois do show em Araraquara quebramos um pouco a ordem e seguimos direto para São Carlos. Com a energia dionisíaca do Colméia no corpo, a galera ficou curtindo o prato cheio que é a sede do Massa Coletiva: o acervo de vinis do Independência ou Marte e a breja gelada que tinha sobrado do lançamento do Ponto de Cultura do Massa. O resultado foi este aqui:

ensaio Stop Churras

No meio da bagunça toda, Danislau apareceu indignado porque eu havia trocado o “deslizante” do texto dele no post “Tour Elétrica” por “deslisante”. Banzo resumiu a questão: “Não mexa no texto do poeta.” No dia seguinte veio se redimir, dizendo que havia consultado o Aurélio e visto que ambas as formas estavam certas, e que com “s” ficava até mais suave, mais “deslisante”. Mas eu aprendi a lição do mesmo jeito.

A galera que estava em casa já tinha espreitado desde o começo a oportunidade de emergir das águas densas da tour por um par de dias. Os Aeromoças aproveitaram para amenizar o desfalque que estavam dando em seus trabalhos. Melhor que isso, Gustavo do Massa e Nilo aproveitavam para encontrar as namoradas e Edenilson foi matar a saudade do rango da patroa, que é cozinheira.

“A maior cidade pequena do Brasil”, esta é a definição de São Carlos segundo Felipe Altenfelder Silva. A cidade é realmente muito boa, com a tranquilidade do interior mas sem marcas de escassez financeira ou cultural. Um parque industrial forte garante a primeira parte, e um grande número de universitários a segunda. É neste cenário que atua o Massa, o coletivo que recebeu a missão de coordenar os pontos paulistas do Fora do Eixo.

Inicialmente a galera se uniu no desejo de viabilizar sua permanência em São Carlos como atores culturais. Tinham que romper com o ciclo de evasão da cidade que afeta os universitários que se formam e trabalhar para construir seu próprio espaço no câmbito local – missão que já foi cumprida.

Outro elemento embrionário para o coletivo foi o envolvimento de Jovem Palerosi e Felipe com a criação da rádio da Universidade Federal de São Carlos. Ambos já tinham contato com os valores da comunicação livre, da luta das rádios comunitárias, do software livre, e ao lado de outros militantes fundaram um veículo comprometido com a atuação comunitária, a abertura de seus espaços para a comunidade e a tecnologia livre.

Felipe e Jovem já não participam mais da organização da rádio, mas junto com a DJ Yasmim continuam mandando ver no independência ou Marte, um programa dedicado à música independente do “nosso Brasilzão de meu Deus”. O programa toma conta do estúdio da rádio para receber bandas para live sessions, e foi para lá que as bandas se encaminharam naquela segundona – trocaram o palco pelas ondas FM.

Às 22h, a hora do programa ir ao ar, os corredores da rádio se viram cheios como nunca. Além da equipe da rádio, o Porcas com seus sete integrantes, os quatro aeromoças, Gu garantindo o som, a namorada do Nilo, também aluna do curso de Imagem e Som da UFSCAR, fazendo fotos que ficaram mravilhosas, o Tassinho no vídeo e eu conduzindo a webcam pela bagunça toda. Vou deixar que vocês tirem suas próprias conclusões sobre o programa:

Foda, né? Mais uma variante interessante nessa turnê-laboratório, e o resultado é este aí, sensacional: execuções super bacanas de algumas músicas que estão rolando nos shows, o bom humor do pessoal e no fim uma jam que não queria, e não deveria mesmo acabar. Jack na batera é uma pérola, mas isso é um post à parte – olha eu me individando com vocês…

Na sequência, fomos cumprir com um ítem que nào poderia faltar no nosso Guia da Culinária on the road: o x-podrão. Bar do Amaral, pico clássico da boemia universitária sancarlense. Acabaram-se os pães de hambúrguer e o chapeiro passou a usar um pão francês para encapar cada metade de x-tudo que soltava. Adoro esse tipo de turismo.